Tinha desaparecido dinheiro na nossa casa, e a Jurema insistiu comigo para irmos ao adivinho (ou adivinhador?). Resmunguei que obviamente não acreditava nessas coisas, e o dinheiro desaparecido era apenas uma coisa muito concreta: tudo aquilo que eu não posso comprar porque esse dinheiro desapareceu. E, depois, à partida consigo perceber logo quem está a mentir quando confrontar as pessoas implicadas. Mas ela respondeu, passa tanta gente na tua casa, nem sequer podes encostar as pessoas todas, que vão ficar chateadas, tens de ter mais pistas. Acedi, até porque gostava de conhecer esse Professor Sheik Youssouf, com tantos super-poderes para atacar o prejuizo e curar coisas tão fáceis como diabetes, hipertensão, cancro, impotência sexual, pneumonia, paixões obcessivas, anemia e problemas espirituais, além de dar aulas de árabe, swahili. xadrez e adivinhar, não o futuro, mas o que já aconteceu. O futuro repousa dentro do tronco da mulemba e todos temos uma cegueira necessária para não o ver, a não ser de vez em quando, quando nos chega em sonhos e depois estamos a viver o que sonhámos e nos arrepiamos com o déjà vu. Explicou-me a Jurema que, além de consultar adivinhos, também frequentava a igreja universal do reino de deus, tudo maneiras de limpar a alma de problemas e sentir a comunhão do amor universal.
Então ela lá me arrastou nos seus saltos altos prateados, saia cor-de-rosa e uns enormes brincos redondos que acompanhavam as tranças rentinho à cabeça. Entrámos, era uma casa bastante atravancada no bairro da Samba. Um homem alto, olhar profundo e corpo volumoso, com um boubou que vinha até aos joelhos, recebeu-nos com um ar meio enfadado. Sentámos as duas à sua frente. Perguntou a natureza do sucedido. Eu disse com voz grave: “desapareceu muito dinheiro do meu quarto!”. Não queria condicionar a sua adivinhação por isso nem manifestei nenhuma das minhas suspeitas. Ele perguntou os nomes de toda a gente que vivia ou tinha passado lá por casa. E eu senti o arrepio traidor de estar para ali a denunciar gente amiga, a grande miséria da vida de um bufo.
A operação era bastante simples: o professor friccionava uma vara no muxakatu, pedaço de madeira talhado com várias ranhuras, enquanto perguntava caso a caso se tinha sido aquela determinada pessoa. Mas os búzios remeteram-se ao silêncio inerte perante uma voz cada vez mais autoritária. O Professor Sheik já estava a ficar meio aborrecido pois aparentemente não fora ninguém, quando resolveu fazer uma segunda rodada mas sem atentar à minha memória. E eu que desconfiava de X, fiquei a ver o episódio noutra perspectiva. Nesse dia tinha lá ido uma estranha visita, de facto, e de repente tive o flash de uma mão rápida, que na altura não relacionei com qualquer gesto excepcional, nem vira nada passível de se tirar. Então o adivinho lançou-me sem escrúpulos a 1ª letra do nome do dono dessa mão. Uma só letra, era tudo o conseguia. Saímos de lá, a Jurema contente com a capacidade adivinhatória do Professor Sheik, reconciliada com as suas crenças mais profundas, ainda que só tivesse adivinhado uma letra, e eu perturbada com o peso dessa insuspeita e incómoda letra. Preferia não saber, a verdade é também uma dúvida perpétua.
Então ela lá me arrastou nos seus saltos altos prateados, saia cor-de-rosa e uns enormes brincos redondos que acompanhavam as tranças rentinho à cabeça. Entrámos, era uma casa bastante atravancada no bairro da Samba. Um homem alto, olhar profundo e corpo volumoso, com um boubou que vinha até aos joelhos, recebeu-nos com um ar meio enfadado. Sentámos as duas à sua frente. Perguntou a natureza do sucedido. Eu disse com voz grave: “desapareceu muito dinheiro do meu quarto!”. Não queria condicionar a sua adivinhação por isso nem manifestei nenhuma das minhas suspeitas. Ele perguntou os nomes de toda a gente que vivia ou tinha passado lá por casa. E eu senti o arrepio traidor de estar para ali a denunciar gente amiga, a grande miséria da vida de um bufo.
A operação era bastante simples: o professor friccionava uma vara no muxakatu, pedaço de madeira talhado com várias ranhuras, enquanto perguntava caso a caso se tinha sido aquela determinada pessoa. Mas os búzios remeteram-se ao silêncio inerte perante uma voz cada vez mais autoritária. O Professor Sheik já estava a ficar meio aborrecido pois aparentemente não fora ninguém, quando resolveu fazer uma segunda rodada mas sem atentar à minha memória. E eu que desconfiava de X, fiquei a ver o episódio noutra perspectiva. Nesse dia tinha lá ido uma estranha visita, de facto, e de repente tive o flash de uma mão rápida, que na altura não relacionei com qualquer gesto excepcional, nem vira nada passível de se tirar. Então o adivinho lançou-me sem escrúpulos a 1ª letra do nome do dono dessa mão. Uma só letra, era tudo o conseguia. Saímos de lá, a Jurema contente com a capacidade adivinhatória do Professor Sheik, reconciliada com as suas crenças mais profundas, ainda que só tivesse adivinhado uma letra, e eu perturbada com o peso dessa insuspeita e incómoda letra. Preferia não saber, a verdade é também uma dúvida perpétua.
1 comentário:
Que texto fantástico! Curto, conciso e contundente.
(um) beijo de mulata
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