segunda-feira, maio 23, 2011

festa

Estou num sétimo andar numa festa. Olho lá para baixo e penso que gostava de me atirar. Debruço-me. Recolho-me. A música estridente faz-me voltar àquela festa. A música e as vozes, misturadas, sincopadas com gargalhadas, estridentes às vezes, metálicas. Volto a debruçar-me. Lá em baixo a linha do eléctrico curva e passa debaixo de uma pequena ponte. Há um homem a caminhar e está frio. É Inverno, um daqueles meses indiferentes em que festas como esta tentam enganar a solidão. Comigo não pegou. Estou há três horas a deambular pela casa sem saber com quem falar, não me apetece fazer conversa, paralisado para dançar, enjoado para beber, sem disfarce para o mau humor. Mas não é por isso. É que a rua está mesmo a chamar-me e este momento parece-me subitamente o mais perfeito para me atirar. O momento em que ficará um silêncio pesado e dramático na casa da festa, em que as pessoas vão parar de dançar, de falar, de beber e correrão aflitas à janela depois do primeiro ter dado por isso. Vão ficar traumatizadas para sempre com a minha imagem lá em baixo, estatelado no chão, de braços abertos, como um duplo no cinema. Vão ficar para sempre com essa imagem na cabeça, a dar voltas dentro delas. Vão sentir-se vazias por não poderem ter feito nada, por não me terem convidado para pôr música no momento antes disso acontecer, por não terem aceite o meu convite na semana antes, por não terem ouvido com atenção as minhas palavras naquela conversa. Vão sentir a minha falta nas próximas festas. Depois esquecem. Debruço-me mais e já nem preciso de consolidar forças, tudo me parece excessivamente fácil: acabar tudo, assim, neste momento. Seria perfeito. Debruço-me ainda mais, a rua lá em baixo. Alguém toca o meu ombro por trás, ao de leve, e passa-me um charro, sem falar comigo, está a meio de outra conversa. Recolho a cabeça e aceito-o, com um sorriso lívido. Dou uma passa. Não olham para mim. Passou-me tudo pela cabeça. A música que está a dar agora até não é má. Vou dançar.

1 comentário:

Duarte disse...

Será assim tão ténue o que nos apega à vida do desejo súbito de, numa circunstância de vazio, forçarmos a despedida? A fuga de uma festa assim far-se-ia pelo elevador ou escadas. Fretes em festas não são condizentes, mas também não gostei da atmosfera, a música não me agradava... o tipo de pessoas também, mas já estou habituado :))