quarta-feira, maio 11, 2011

má onda

Rotunda do Marquês de Pombal, sinal fechado, vidros abertos, muito calor em Lisboa. Um homem num carro caro ouve um audiobook em alemão. Tem óculos escuros pretos, cabelo curto, mangas arregaçadas, ar compenetrado no sinal. Deve estar atrasado para dar corda ao mundo dos mercados. Os minutos demoram a passar.
Por detrás desse carro surge o vulto de um sem-abrigo, casaco surrado até aos pés, barbas enormes, um andar altivo que agarra firme um pacote de vinho de supermercado. Não pede dinheiro no semáforo, apenas passa pelos carros como se flutuasse num mundo só dele, que coloca a cidade em suspenso.
Os olhos de ambos cruzam-se no retrovisor e permanecem uns muito breves segundos em contacto. Naquele momento há uma agitação nas rotinas de um e de outro, uma faísca de raiva fatal e eterna atravessa a linha invisível que algures os terá dividido para sempre nas condições de vida.

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