quarta-feira, dezembro 12, 2007

don't panic


No jardim deitada olhava para cima. Entre o recorte das árvores, castanheiros de um lado, palmeiras do outro, árvores despidas e outras frondosas - e os demais adjectivos das questões botânicas. Por entre as árvores, o céu azul. Cá de baixo, sobejava o meu corpo e dele se desprendia o olhar. Um olhar que deixou de ver o corpo, e quer atingir o vazio, onde ainda assim a vida teima em intrometer-se com as suas solicitações (não desejava suspender o enfado e o bocejo nihilista, mas lá vinham os passarinhos dizer das suas liberdades ou a bola perdida de uma criança aplicada no golo).
A minha questão era simples: “haverá ainda espaços de inscrição, onde posso pensar a partir do vazio e das coisas que não me apetece fazer?” Podia pegar num spray imaginário e escrever palavras num céu anterior à penumbra. Ou com um avião usar a dança das palavras efémeras no vasto manto como um grito de alerta.
Uma artista sul-africana, Ruth Sacks, fê-lo mesmo. E eu gosto destas pessoas que levam à prática pensamentos poéticos. DON’T PANIC, escrevera nos céus de Cape Town. As letras brancas riscavam o cian, gozavam com a nossa vidinha de pequenos pânicos e contentamentos egoístas. Eram a forma possível de uma advertência: controla-te, equilibra, calibra, enfrenta o medo. Eram a voz doce de uma enfermeira para uma cidade onde se morre tanto de tuberculose. Eram o grito ao espelho do yuppie que vai debater-se com uma plateia de homens de negócios arriscados. Eram o sussurro de um amante a dizer à namorada na véspera do aborto: Don’t panic. Don’t panic.
O jardim era a minha calma possível de um dia de pânico em que o ar deixaria de circular pelos pulmões. O meu pânico privado. A vontade de sentir o vazio, o tempo que falta para contar a grande história.

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