segunda-feira, abril 30, 2007

praia

Na tarde em que estávamos presos a memórias distantes e a clarões ao contrário, antes do rapaz e da rapariga virem encher a nossa casa de ruído aflitivo, eu pensei numa praia real. Assaltou-me essa praia onde vinham naufragar corpos mortos de migrantes que só chegaram ao seu destino quando já não havia destino nenhum que os esperasse. Uma praia de noite e cheia de frio. Pensei para mim, porque o horror não se diz nem se chega a sentir. Não nós, os protegidos. Senti na pele apenas o sopro da ideia da desproporção das dores humanas. Na mesma praia onde talvez pudéssemos caminhar os dois em silêncios pequeninos e amuados. E pensei que o amor era um capricho, um contra-senso burguês que não valia um grão de areia na imensidão do deserto de onde vieram aqueles corpos.

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