Entre a barba e o sol forte, a cara ainda escapa,
mas é a pele do corpo que, trémula, branqueja
entre os remendos. Não basta o surro para a disfarçar,
à chuva ou ao sol. Aldeões enegrecidos
olharam para ele uma vez, um olhar que se agarrou
àquele corpo, quer caminhe ou se abata para dormir.
De noite, os vastos campos fundem-se
numa escuridão pesada que engole bardos
e árvores: só as mãos distinguem a fruta.
O homem andrajoso parece um aldeão, no escuro,
mas rapina quanto pode e os cães nem o sentem.
De noite a terra não tem donos,
mas tem vozes não humanas. O suor não conta.
Cada árvore tem o seu próprio suor frio no escuro
e os campos são um campo único, de ninguém e de todos.
De manhã, este homem andrajoso e trémulo
sonha, caído junto a um muro que não é dele, que os aldeões
o perseguem e o querem morder, em pleno sol.
Tem uma barba que ressuma um orvalho gelado
e, entre os rasgões, a pele. Aparece um aldeão
de enxada ao ombro e enxuga a boca.
Nem se desvia, passa por cima do outro:
há um campo seu que precisa de força hoje mesmo.
Cesare Pavese, Lavorare Stanca (1961); Trabalhar Cansa, trad. Carlos Leite, Cotovia, 1998, pp. 62-63
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