quarta-feira, março 01, 2006

Carne inteligente

Um momento breve. O tempo de um encontro, de uma coincidência na linha que nos une, de um relâmpago súbito sem trovão nenhum. Uma tempestade secreta, é isso. O segredo no som que não se ouve para além do eco. Uma coisa de segundos ou de anos, tanto faz. Isto porque a brevidade está na intensidade e nunca na extensão.

No fundo, depois do encontro inevitável e da linha de aço e do relâmpago ofegante de luz, chega essa eternidade que é a memória. E a memória infiltra-se no corpo todo, digo corpo e prefiro carne. Uma carne inteligente que reconhece a linguagem da intensidade: no toque, na carícia, no beijo, na mordedura, no bater, no sussurro ou no grito. Uma carne viva e a descarnar-se no movimento centrípeto insuportável e essencial que é o amor.

Nessa brevidade que é estar contigo há qualquer coisa preso no céu-da-boca, qualquer coisa sem nomeação possível, qualquer coisa de força e de sede. Ensinaste-me a cerzir. Engulo as costuras. Quero-te nessa brevidade para sempre. A carne um tecido ferido a coser-se nas tuas mãos sábias e cegas. Sem palavra nenhuma, apenas o tumulto de uma agulha que cai a pique sobre um espelho.

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