domingo, fevereiro 05, 2006

outono do ano passado


vê lá que aqui está um sol de verão alto e o outono só se dá por ele por alguns cheiros que chegaram como se cada coisa do tempo viesse por seu pé e se encontrassem como que por acaso ou cumprindo um compromisso antigo... mas desta feita desencontrou-se tudo, mesmo a luz que já se fazia rogada a meio da tarde regressou às arrecuas empurrando o fim do dia, e mesmo a noite chega com brisa quente, e mesmo as árvores deixam-se cheias de folhas ao vento como se se desafiassem a aguentar a vertigem, e mesmo eu em queda estou quieta junto das janelas abertas mesmo que a tosse tenha já vindo fazer companhia aos cheiros, esses castanhos mel queimados, dir-se-iam amargos, mas que nos chegam doces como a saudade.

a tristeza funda dos bosques, a solidão dos trilhos das cabras na serra onde já não há pastores. deito-me no chão - mexo-me muito devagar, ninguém que esteja a olhar dá por isso. e depois chega o cansaço, ele olha para o lado, em roda, aqui, ali, e quando olhar de novo verá talvez as minhas costas mais curvas e as mãos mais perto do chão... queria a minha cabeça esvaziada. queria uma flor de lótus sobre o peito. queria não saber o meu nome nem o de ninguém nem o das coisas. desnascer, sim, isso, e acordar ao longe como se tivesse adormecido nas dunas e afinal a maré ainda não baixou e podemos ainda ficar ao relento das palavras. e depois podemos cantar de novo na volta de uma canção à outra, na volta do corpo balançando nos teus braços. e nada era a fingir e as coisas não estavam caladas, nem as palavras mudas, mas era o silêncio que chegava com a noite, sem frio, e na mão ainda uma pedra.

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