quarta-feira, fevereiro 01, 2006

desenho da criação do mundo segundo os indíos ianomani

escrevia sobre a muralha que se defendia do de fora e do lado de dentro. descobria a palavra fenda no verbo porque escrevia à máquina e ficou assim separada. lembrei-me de um desenho dos ianomani. do lado de dentro círculos fechados, círculos quebrados, sucedem-se concêntricamente. não sei qual é o movimento que vejo primeiro: se o fechamento sobre o centro, se a abertura a partir do centro para fora. tem uns paus espetados, como troncos, como postes - lembram postes de electricidade (talvez por termos, nestes tempos, imagens muito marcadas de como foram e são esses sítios de onde não se pode sair). sei que não são. são uns traços grossos com pequenos traços que assentam e outros no cimo, espetados para o céu ou suspensos sem tocar na terra. uns estão dentro, outros estão fora, despegados, talvez elevando-se ou sucumbindo no espaço vazio que o desenho guarda. dois fios do lado de fora prendem-se ou quase aos postes, de um lado e do outro do círculo, mas em incoincidência. como se uma força tivesse rebentado do centro e tivesse explodido por todas as partes e assim tocasse uma e outra de forma diferente.
sim, não há simetria. reparo agora que de um lado estão três traços e do outro quatro. leio:

1.
Céu rachou enorme,
céu rachou todo.
Tudo acabou.
Longe do céu pés.
Céu escorado,
o céu sobreposto.
Céu suspenso,
longo céu,
céu suspenso.
Céu perna fincada,
céu perna fincou no pau.
Outro céu rachadura,
céu encaixado.
Céu racha ainda,
depois céu rachou.
Está nublado.
Tudo acabou completamente.
Floresta não tem mais.
Floresta fundo longe,
longe muito foi.
Floresta folha pequena,
rachada no meio a árvore de nariz tronco curto
as árvores eram Ianomami.
Água ainda alta.


tudo acabou. foi assim que o mundo foi criado. quando tudo acabou. os traços grossos são as árvores que racharam com um pedaço do céu ou são os xamãs que erguem o pedaço de céu que ainda hoje vemos. havia muito mais e ficou só um pedaço. e é desse pedaço que é criado o mundo. o mundo não é tudo, é um resto. tudo é o vazio onde os traços permanecem. tudo é já não podemos saber o quê e isto; vazio branco à volta dos traços negros, por entre eles, que os distingue e liga. leio:

3.
Buraco.
Aqui buraco enorme.
Buraco fundo longe vai,
céu escorado,
no fundo céu foi escorado.
Na água céu caiu, na água se escorou fundo.



círculos concêntricos em profundidade. buraco fundo, por onde tudo foi engolido sem que se possa por lá descer, sem terra que se escave. superfície aberta a quem o subterrâneo não lhe pertence já, longe, imemorável. buraco sem fundo.

1 comentário:

Anónimo disse...

Eu gostei das palavras da musica só que nao gostei do texto pq vcs nao colocam a letra minuscula depois do ponto final. Assim como eu. Fui. Obrigado.