A vida escrita
segunda-feira, setembro 07, 2015
microexpressão
no esmorecer da birra a palavra que falta
que volta e meia assombra, apesar de tantos argumentos
antigos e tantas vezes repetidos.
uma série de televisão indigna-se com imoralidades
praticadas por humanos contra humanos.
depois de 25 minutos a revistar nos bolsos, meus e alheios, um cigarro
e encontrá-lo no esconderijo mais óbvio - o essencial é invisível aos olhos
resta-me este pequeno conforto
mas agora já é tarde demais
para dar alguma solenidade ao desejado momento
repudio a situação
por não saber lidar com o passanço dos outros
reflexo do nosso universo pequenino de ressentimento e vida
nada acertada aos ponteiros dos sorrisos fáceis
de mal com a vida mas nada a ver
com aquela micro expressão que antecede a notícia do cancro ou da gravidez
a dor que paralisa para sempre o cavalo interior
a alegria imensa da verdade factual
o rejubilo a dois
olha vamos fazer viagens.
quarta-feira, abril 24, 2013
domingo
(mete um certo nojo)
Porém, não se trata de apatia alguma, andam coisas a vibrar, as pessoas dão ideias, discutem, embebedam-se felizes ou de coração partido, mas celebram alegrias e desencontros juntos, fazem declarações de amor ou de admiração, metem-se em negócios perdulários, julgam-se ideologicamente como bons polícias do quotidiano, mandam-se para o caralho e regressam sem mágoas.
Pudera eu fazer justiça a esta liberdade.
a um passo
quarta-feira, abril 03, 2013
Esta manutenção torpe
terça-feira, maio 15, 2012
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eterna adolescência
na clínica
domingo, maio 13, 2012
neblina
uma neblina branca cobre os prédios com um potencial surrealista. Estar calor sem fazer sol tem qualquer coisa de tragicomédia. O telejornal da tarde fecha com uma peça do Sassetti que morreu há pouco na falésia. O piano induz a olhar a rua no seu crescendo de vida - aquele momento em que o fim (de cada um e de todas as coisas) é conscienciosamente anunciado. A velhota passa agarrada à sobrinha, o polícia olha para as botas melancólico, o homem levanta vagarosamente as chávenas das bicas, a rapariga lê o jornal, e nada disto é sereno.
sexta-feira, abril 27, 2012
acontecendo
ao mesmo tempo irrompendo coisas lindas,
casas maiores do que as paredes guardam memórias por viver
vontades antigas ganham forma, braços unem-se mais certeiros.
sexta-feira, abril 06, 2012
"quem sabe amor onde o amor se fere?”
Ao contrário de tantos poetas, em Assis Pacheco o amor não se manifesta tanto num jogo de privação e de busca, mas numa cumplicidade do sentimento vivido a dois. Reacção, novidade e vivência, sem intelectualizar o conceito cujo sentido da sua existência é ser vivido. Nos seus poemas adivinha-se uma presença concreta que extravasa as metáforas e partilha os versos.
No poema Volta à Amada em uma Semana, Assis Pacheco descreve a sequência que o levou a aportar no “país rumorejante” que personifica o amor, transfiguração a caminho: passa por ser casa, por cegar o amante com as suas delícias, atribui conhecimento (“senti-me sábio, cheio de janelas e fragrâncias”), é temido e indesejado (“gritei, nunca tu viesses, dominador, devorador!”), até ser enfim imenso e capaz de tudo absorver (“eu era um oceano”). Depois, o amante transformado (transforma-se o amador na cousa amada), experimenta reacções contraditórias: aceitação e revolta, prisão e arrebatamento.
Numa profunda relação entre poesia, dor e libertação, o amor é também libertação desmesurada das mais sinceras aspirações dos homens, não nomeáveis, não definidas. Um mundo enlouquecido do qual a expressão lírica se aproxima por imagens: “Não sei se o que chamam amor / é a cama desfeita o sol fugindo, / uma vontade louca de beber / a grandes goles a noite entorpecente.” (A.P.) É esse descomedido gesto, simultaneidade de sensações e de vontades antagónicas, de tudo querer e ousar: “sem causa, juntamente choro e rio / o mundo todo abarco e nada aperto”. A finura inconsistente da areia diz da sua vulnerabilidade: “Não sei / se o que chamam amor é este apaziguamento.(...) não sei se o que enfim chamam / amor é esta areia fina.” Exaltação, reafirmar a dúvida, para que ninguém esqueça: “quero lembrar que sou pelo amor, / suas virtudes e armas / contra a melancolia”. Pois o “amor não quer cordeiros nem bezerros.”
“um homem tem que viver com um pé na Primavera”
Tenho estado a reler a poesia de Fernando Assis Pacheco. Um diálogo intertextual familiar a António Machado e toda a literatura espanhola, poesia inglesa entre guerras, poesia americana contaminada pelos vanguardistas europeus emigrados, fugindo aos modelos estilísticos dos anos 60 cheios de ecos neo-realistas. Uma certa ironia lírica surrealizante que versa os encantos do acaso, quotidiano e viagens sem preocupações formais, numa mestria que derruba barreiras entre a poesia e as pessoas. Adepto da ideia de que a poesia só deve ser difícil para quem a escreve, como aforismou Vladimir Holan: “do esboço à obra o caminho faz-se de joelhos”.
“Oferecendo-nos a bela ilusão da grandeza humana, o trágico traz-nos uma consolação. O cómico é mais cruel: revela-nos, brutalmente, a insignificância de tudo", já explicava o Kundera. Pelo risível lá se vai desconstruindo a aparente finalidade da vida e Assis Pacheco lembra a condição ingrata e egocêntrica do poeta, aquele que se está sempre a lamentar e a exibir ao mundo as suas dores particulares, qual menino mimado a pedir afecto. “Amantes em aflição”, os poetas. indignar-me é o meu signo diário, escreve em Poeta no Supermercado.