Tchekov está deitado antes de morrer e afaga a barba postiça
que o fez entrar no teatro na mocidade. Como todas as pessoas que se preparam
para abandonar o mundo dos vivos, sente necessidade de acertar
contas com a vida.
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Mais um vodka.
Lembra-se das brincadeiras tontas com os irmãos Nicolai e
Michail. E das discussões com o fiel amigo Vladimir. Por mais Shakespeare e Victor Hugo que lesse não tinha ambições de superá-los.
Poderá pensar em alguém a cavar-lhe a
sepultura.
Tchekov ainda nada sabia do maio de 68 nem dos centros
comerciais. Escrevera na estepe a sua última crónica e não perdia tempo a
imaginar o futuro.
E agora agradecia o pão, era bem educado com o passado.
Talvez pensasse que os rinocerontes são feitos de pêlos, os
macacos são parecidos connosco e os tigres não têm manchas iguais.
Melancólico, um pouco reaccionário. Os vindouros gostam de especular.
Apesar de médico, Tchekov receava as dores do seu próprio
corpo, vira muita gente a sofrer.
Elege o perfume fúnebre que lhe desperta a mais
eloquente sensação de vida: o odor das macieiras e das cerejeiras da sua quinta
em melichovo.
Lembra Lidjia Mizinova e de como combateram a cólera.
Sempre
soube como é difícil viver em sociedade, mesmo antes desta ser uma máscara sem
rosto.
As suas personagens não gritam, não amaldiçoam, deixam-se
estar para ali.
Escolhe a roupa mais apropriada para o momento de se
extinguirem as ideias. Não regressará mais ao gelo da rússia, ao moscovo do
coração, aos camponeses alcoólicos, e apesar disso está a um passo da imortalidade.
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