Ao contrário de tantos poetas, em Assis Pacheco o amor não se manifesta tanto num jogo de privação e de busca, mas numa cumplicidade do sentimento vivido a dois. Reacção, novidade e vivência, sem intelectualizar o conceito cujo sentido da sua existência é ser vivido. Nos seus poemas adivinha-se uma presença concreta que extravasa as metáforas e partilha os versos.
No poema Volta à Amada em uma Semana, Assis Pacheco descreve a sequência que o levou a aportar no “país rumorejante” que personifica o amor, transfiguração a caminho: passa por ser casa, por cegar o amante com as suas delícias, atribui conhecimento (“senti-me sábio, cheio de janelas e fragrâncias”), é temido e indesejado (“gritei, nunca tu viesses, dominador, devorador!”), até ser enfim imenso e capaz de tudo absorver (“eu era um oceano”). Depois, o amante transformado (transforma-se o amador na cousa amada), experimenta reacções contraditórias: aceitação e revolta, prisão e arrebatamento.
Numa profunda relação entre poesia, dor e libertação, o amor é também libertação desmesurada das mais sinceras aspirações dos homens, não nomeáveis, não definidas. Um mundo enlouquecido do qual a expressão lírica se aproxima por imagens: “Não sei se o que chamam amor / é a cama desfeita o sol fugindo, / uma vontade louca de beber / a grandes goles a noite entorpecente.” (A.P.) É esse descomedido gesto, simultaneidade de sensações e de vontades antagónicas, de tudo querer e ousar: “sem causa, juntamente choro e rio / o mundo todo abarco e nada aperto”. A finura inconsistente da areia diz da sua vulnerabilidade: “Não sei / se o que chamam amor é este apaziguamento.(...) não sei se o que enfim chamam / amor é esta areia fina.” Exaltação, reafirmar a dúvida, para que ninguém esqueça: “quero lembrar que sou pelo amor, / suas virtudes e armas / contra a melancolia”. Pois o “amor não quer cordeiros nem bezerros.”
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