sábado, setembro 10, 2011

love calls you by your name

Tudo começou no sofá, entre carícias. Eram as nuvens carregadas que assombravam os sete andares por cima do nosso, era uma mão por dentro da outra e o tom waits a cantar-nos ao ouvido as suas máquinas de ossos. Parecia que este mundo era bem melhor do que o outro. E depois veio a frase. Palavras desadequadas a querer inscrever o tempo quando os relógios param. A lembrar, somos estranhos, não conseguimos, nunca esquecemos, passados e futuros pesam, somos estrangeiros um e outro, um no outro. Veio a frase da estranheza, não troquei o teu nome - um lapso indesculpável entre amantes - foi frase ainda pior, uma falha na linguagem fundamental, para sempre a esquartejar a confiança. Um disparate este hábito da língua articular palavras e a sua falta de ponderação crónica. A frase que afasta, quebra o elo da ilusão, lembra o artifício escondido nas subtilezas.

Tinhas de vir com as palavras. Desculpa, é protecção, é vontade de nomear e dar a notícia ao mundo. Para quê se o mundo agora não interessa nada, só eu, tu e aqui. Falta de pontaria, não devia. I don’wanna, I don’t think so.

E tu disseste: o que é que isso interessa. E eu disse: nada. E passámos juntos um calendário no sofá apertado para quatro pernas.

Do sofá para a vida foi um instante. Vieram caixotes cheios de livros e cds, veio a ocupação disfarçada de bons modos que começaram rapidamente a ser ecos de outros tempos. A máquina de lavar roupa que é preciso estender depois, a cama a aquecer rápido, o diálogo a ganhar ao monólogo, as depressões a alternar com a euforia, o jogo de brincar aos casais, aos adultos. Bateram umas quantas portas no auge das discussões, o tom waits calou-se dentro da sua própria cabeça, às mensagens poéticas e arrulhos via telemóvel sucederam-se combinações a despachar, mas tudo se tornou tranquilo apesar da aparente desordem. Ainda há o calor de um copo de vinho tinto no jantar de tabuleiro ao som do portugal-camarões. E o rosto agitado com as oscilações dos dias e as idas ao café à hora de almoço quando não há mesa.

[Queria uma casa sem recheio, sem obstáculos a distraírem-nos do que nos levou ali aos dois.]

Agora sem pressa, de outra maneira, contigo aqui ao lado, mesmo ao lado íntimo. Sentamo-nos em tantos sofás alheios mas nenhum será como o primeiro, o do coração aberto, quase piroso nas revelações que guarda. Classe média e barriga de bem-estar, foi já grito de iniciação e de intempérie.

1 comentário:

inês disse...

que lindo texto