sábado, outubro 30, 2010

amigos para sempre

Houve momentos íntimos em que dançámos agarrados, colados vezes sem conta a mesma música ao amanhecer, com pose de bar de alterne, num profundo entendimento do corpo. Uma daquelas noites que parecem uma vida inteira, cúmplices para sempre, arrependidas para sempre, prolongada com cerveja de improviso da bomba de gasolina quando todo o álcool do mundo é insuficiente. Música heterogénea e nós a dançar à volta da mesa, comovidos de alegria. Até ao limite das forças, até a manhã e o dia habitual nos vencer, até vir o vizinho engravatado para o trabalho tocar à campainha quando se conteve a noite toda furioso pelo incómodo. Fomos buscar os vinis antigos, o ministério da nostalgia todo, como se as poucas décadas que passámos fossem já um manancial de recordações e guerras frias, como se recusássemos o tempo presente ainda que seja nele que o tempo retro nos é querido. O passado sempre fruto de uma ficção; sinto-me portanto mais habilitada na escrita de acontecimentos com algum recuo. Outros tempos, que são estes, pois ainda estamos a nascer e já morremos e há alta perigosidade nessa transferência. No entanto, amigos para sempre.
(2003)

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