sábado, janeiro 02, 2010

Grande Hotel da Beira

fotografia de Otávio Raposo
Compramos mangas maduras à porta do Grande Hotel da Beira que, mesmo em ruínas, não perde a imponência e magnitude em frente ao mar. Pedimos para falar com o representante dos moradores, logo um rapaz se prontifica a ir chamar o “secretário da unidade” que se levanta da sua interrompida sesta, veste a camisa azul de botão e a boina de muçulmano e vem vagaroso, com a filharada atrás, receber os curiosos. 

Agradecemos pois a gentileza do senhor João em mostrar o hotel à hora do calor. Com ar pausado e a timidez típica dos moçambicanos rurais, desvenda a história de um albergue de 750 famílias, cerca de três mil pessoas, em aglomerados familiares - no seu caso nove elementos - que, num mesmo quarto, fazem de tudo: dormir, banhar, comer, cozinhar. É a história de um hotel, outrora de luxo, transformado num dos maiores squats do mundo. 

Como qualquer casa ocupada tem as suas regras de convivência e de organização. Ali a ordem tem os seguintes representantes: o secretário de unidade, o de corredor, quarteirão e bloco (andar), os quais se reúnem para resolver problemas dos inquilinos, e dirigem o tribunal de moradores numa ex-suíte do hotel, onde se discute quem tem mais direito à casa (uma mulher com crianças leva vantagem) ou que fulano anda a atirar água suja para a varanda de sicrano. Duas regras são fundamentais: “manter a limpeza e o respeito”. A limpeza é realizada por nomeação de turnos, já o respeito tem de ser garantido por todos. “Já houve casos de maus-tratos, violações a raparigas, cujas pessoas que os praticaram foram expulsas”, conta decidido o nosso anfitrião.  

Como veio o senhor João viver para o “Prédio”, alcunha eufemística para normalizar aquela vivência, e porque tem o mais alto cargo de chefia? “O meu irmão é militar, eles foram os primeiros a chegar em 1980 para terem uma base durante a guerra, ficou com uma casa e com esta função que depois passou para mim.” Como nas heranças, as casas, os quartos neste caso, destinam-se a pessoas da família, e algumas já lá estão há três gerações, quase trinta anos. 

(continue a ler Viver é cada vez mais difícil no Grande Hotel da Beira)

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