sexta-feira, outubro 30, 2009

criatividade e técnica

No tempo que vivemos gostava de desenvolver um sentido maior para o visual, de poder arriscá-lo assim livre e experimental, sem ter prisões académicas, teóricas ou líricas, sem este estúpido exercício das palavras que é uma higiene diária e nada mais. Gostava de ter mais sensibilidade plástica. Gostava de trazer um discurso em movimento, dominar a técnica e saber enquadrar e calibrar o potencial de força de cada imagem. A brincadeira que permite, a exibição dos outros através de nós e vice-versa, com o toque de intervenção e experimentalismo formal para ficarmos confortáveis nas leituras que farão do nosso objecto artístico. Gostava de ser capaz de experimentar, ter coisas a dizer de uma forma aberta, menos a preto e branco. Cedendo à linguagem visual - ganhar mais dimensão, gritar mais alto, mostrar, tornar enigmático. A imagem não tem de explicar, tem de agir. 

Mas sempre me quis afastar desse contacto por uma espécie de respeito a quem sabe, trabalha e discursa, usa e abusa da imagem. Num desejo de perfeccionismo ou, por outro lado, ao saber que já ninguém tolera a falta dele, qualquer coisa me paralisa. É difícil aventurar-me realmente em algo novo, continuo a apelar às técnicas tradicionais que não fazem muito ruído. Sei que um dia o mundo voltará a dar-lhes atenção. Talvez não. Talvez o domínio da imagem seja mesmo tão charmoso que é irresistível. 

Se fosse artista seria escultora para sujar as mãos, para descobrir formas no vazio de formas. A maravilha da pele ser pedra, das superfícies porosas e grosseiras, ondulantes de firmeza, de outras dimensões ainda que com peso e gravidade. Mas gostava ainda mais de ser inventora, inventar a pólvora e a bússola, inaugurar uma nova era como Guttenberg e a sua máquina de imprensa. E lá voltamos às palavras.


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