quarta-feira, agosto 22, 2007

dente por dente

Outros antes de nós tentaram o mesmo esforço: dente por dente: não, nunca olhar de soslaio e manter a cabeça escarlate, o vómito nos pulsos por cada noite roubada; nem um minuto para a glória da pele. Despertar de lado: olho por olho: conservar a família em respeito, a esperança à distância de todas as fomes, o corno de cada dia nos intestinos. Aos dezoito anos, aos vinte e oito, a vida posta à prova da raiva e do amor, os olhos postos à prova do nojo. Entrar de costas no festivaI das letras, abrir passagem a golpes de fígado para a saída do escarro. Se não temos saúde bastante sejamos pelo menos doentes exemplares.
Fora do meu reino toda a pobreza, toda a ascese que gane aos artelhos dos que rangem os dentes; no meu reino apenas
palavras provisórias, ódio breve e escarlate. Nem um gesto de paciência: o sonho ao nível de todos os perigos. Pelo meu relógio são horas de matar, de chamar o amor para a mesa dos sanguinários.
Dente por dente: a boca no coração do sangue: escolher a tempo a nossa morte e amá-Ia.

António José Forte, Uma Faca nos Dentes

2 comentários:

Anónimo disse...

e o editor costumava trazer umas preciosidades para venda, aos sábados de manhã no chiado.

Vitor Freire disse...

Dente por dente para uma boca impossível. Possíveis são todos os desejos dessa boca. António José, Forte e áspero o texto.

Venho de terras distantes, do Brasil, deixar um aceno de redescobrimento. Deixo aqui minha estranheza aproximada.

Parabéns pela vida escrita aqui, Marta.