quarta-feira, maio 10, 2006

A voz de Celan



ENGFÜHRUNG
[clicar para ouvir - tradução portuguesa em nota]

*

Verbracht ins
Gelände
mit der untrüglichen Spur:

Gras, auseinandergeschrieben. Die Steine, weiß,
mit den Schatten der Halme:
Lies nicht mehr – schau!
Schau nicht mehr – geh!

Geh, deine Stunde
hat keine Schwestern, du bist –
bist zuhause. Ein Rad, langsam,
rollt aus sich selber, die Speichen
klettern,
klettern auf schwärzlichem Feld, die Nacht
braucht keine Sterne, nirgends
fragt es nach dir.

*
Nirgends_____________
fragt es nach dir

Der Ort, wo sie lagen, er hat
einen Namen – er hat
keinen. Sie lagen nicht dort. Etwas
lag zwischen ihnen. Sie
sahn nicht hindurch.

Sahn nicht, nein,
redeten von
Worten. Keines
erwachte, der
Schlaf
kam über sie.

*

Kam, kam. Nirgends_______
fragt es –

Ich bins, ich,
ich lag zwischen euch, ich war
offen, war
hörbar, ich tickte euch zu, euer Atem
gehorchte, ich
bin es noch immer, ihr
schlaft ja.

*
Bin es noch immer –

Jahre.
Jahre, Jahre, ein Finger

tastet hinab und hinan, tastet
umher:
Nahtstellen, fühlbar, hier
klafft es weit auseinander, hier
wuchs es wieder zusammen - wer
deckte es zu?

*
Deckte es_______
zu – wer?

Kam, kam.
Kam ein Wort, kam,
kam durch die Nacht,
wollt leuchten, wollt leuchten.

Asche.
Asche, Asche.
Nacht.
Nacht-und-Nacht. – Zum
Aug geh, zum feuchten.

*
Zum_________________
Aug geh,___________
zum feuchten –

Orkane.
Orkane, von je,
Partikelgestöber, das andre,
du
weißts ja, wir
lasens im Buche, war
Meinung.

War, war
Meinung. Wie
faßten wir uns
an – an mit
diesen
Händen?

Es stand auch geschrieben, daß.
Wo? Wir
taten ein Schweigen darüber,
giftgestillt, groß,
ein
grünes
Schweigen, ein Kelchblatt, es
hing ein Gedanke an Pflanzliches dran –
grün, ja,
hing, ja,
unter hämischem
Himmel.

An, ja,
Pflanzliches.

Ja.
Orkane, Par –
tikelgestöber, es blieb
Zeit, blieb,
es beim Stein zu versuchen – er
war gastlich, er
fiel nicht ins Wort. Wie
gut wir es hatten:

Körnig,
körnig und faserig. Stengelig,
dicht;
traubig und strahlig; nierig,
plattig und
klumpig; locker, ver-ästelt –: er, es
fiel nicht ins Wort, es
sprach,
sprach gerne zu trockenen Augen, eh es sie schloß.

Sprach, sprach.
War, war.

Wir
ließen nicht locker, standen
inmitten, ein
Porenbau, und
es kam.

Kam auf uns zu, kam
hindurch, flickte
unsichtbar, flickte
an der letzten Membran,
und
die Welt, ein Tausendkristall,
schoß an, schoß an.

*
Schoß an, schoß an._____
Dann –

Nächte, entmischt. Kreise,
grün oder blau, rote
Quadrate: die
Welt setzt ihr Innerstes ein
im Spiel mit den neuen
Stunden. – Kreise,
rot oder schwarz, helle
Quadrate, kein
Flugschatten,
kein Meßtisch, keine
Rauchseele steigt und spielt mit.

*
Steigt und________
spielt mit –

In der Eulenflucht, beim
versteinerten Aussatz,
bei
unsern geflohenen Händen, in
der jüngsten Verwerfung,
überm
Kugelfang an
der verschütteten Mauer:

sichtbar, aufs
neue: die
Rillen, die

Chöre, damals, die
Psalmen. Ho, ho-
sianna.

Also
stehen noch Tempel. Ein
Stern
hat wohl noch Licht.
Nichts,
nichts ist verloren.

Ho-
sianna.

In der Eulenflucht, hier,
die Gespräche, taggrau,
der Grundwasserspuren.

*
( – – taggrau,___________________
der________________
____________________ Grundwasserspuren –

Verbracht
ins Gelände
mit
der untrüglichen
Spur:

Gras.
Gras,
auseinandergeschrieben.)


[outros poemas de Paul Celan, lidos pelo próprio: Norton Poets Online]



Nuit et brouillard (1955) de Alain Resnais

1 comentário:

André Dias disse...

STRETTO
*

Carregados para o
campo
com a marca inconfundível:

ervas, escrita dispersa. As pedras, brancas,
com as sombras das folhas:
Não leias mais – olha!
Não olhes mais – vai!

Vai, a tua hora
não tem irmãs, tu estás
estás em casa. Uma roda, lenta,
rola para fora de si, os raios
trepam,
trepam, em campo enegrecido, a noite
não precisa de estrelas, em parte alguma
perguntam por ti.

*

Em parte alguma
perguntam por ti –

O lugar onde estavam tem
um nome – não o
tem. Eles não estavam lá. Havia
qualquer coisa entre eles. Não
conseguiam ver através dela.

Não viam, não,
falavam de palavras. Nenhum
acordou, o
sono
veio e assaltou-os.

*

Veio. Veio. Em parte alguma
perguntam –

Sou eu, eu,
estava entre vós, estava
aberto, era
audível, toquei-vos, a vossa respiração
obedeceu, sou
eu ainda, mas vocês
estão a dormir.

*
Sou eu ainda –

Anos
anos, anos, um dedo
desce e sobe a tactear, tacteia
à sua volta:
Costuras, palpáveis, aqui
abre-se muito, aqui
voltou a fechar-se – quem
a cobriu?

*
Cobriu-
-a – quem?

Veio, veio.
Veio uma palavra, veio,
veio pela noite,
queria brilhar, queria brilhar.

Cinza.
Cinza, cinza.
Noite.
Noite-e-noite. – Desce
para os olhos, os húmidos.

*
Desce
para os olhos,
os húmidos –

Furacões.
Furacões, de sempre,
turbilhão de partículas, o resto,
tu
sabes bem,
lemo-lo no livro, era
ilusão.

Era, era
ilusão. Como
nos tocámos
– nós, com
estas
mãos?

Estava também escrito que –
Onde? Nós
pusemos um silêncio sobre isso,
apaziguado a veneno, grande,
um
silêncio
verde, uma sépala, suspenso
dela um pensamento de coisa vegetal –
verde, sim,
suspenso, sim,
sob céu
ardiloso.

De, sim,
coisa vegetal.

Sim.
Furacões. Tur-
bilhão de partículas, restou
tempo, restou,
para o tentar na pedra – era
hospitaleira, não cortava a palavra. Que
bom tempo passámos:

Granulosa,
granulosa e fibrosa. Hasteada,
compacta;
cacho e irradiação; forma de rim,
espalmada e
grossa; leve, ra-
mificada – : ela, aquilo
não cortava a palavra, aquilo
falava, gostava de falar a olhos secos antes de os fechar.

Falava, falava.
Era, era.

Nós
não cedíamos, ficávamos
no meio, um
castelo de poros, e
aquilo veio.

Veio ter connosco, a-
travessou, remendando
invisível, remendando
a última membrana, e
o mundo, um cristal de mil faces,
começou a formar-se, a formar-se.

*

A formar-se, a formar-se.
Depois –

Noites, desconjuntas. Círculos,
verdes ou azuis, quadrados
vermelhos: o mundo investe o seu mais íntimo
no jogo com as novas
horas. – Círculos
vermelhos ou pretos, quadrados
claros, nem uma
sombra alada,
nem uma
mesa de medições, nem uma
alma de fumo sobe para se juntar ao jogo.

*

Sobe para
se juntar ao jogo

No abrigo da coruja, na
lepra petrificada,
nas
nossas mãos fugidas, na
última rejeição,
por cima da
barreira das balas junto do
muro soterrado:

visível, de
novo: as
estrias, os

coros, naquele tempo, os
salmos. Ho, ho-
sana.


então ainda templos de pé. Uma
estrela
tem de certo ainda luz.
Nada,
nada está perdido.

Ho-
sana.

No abrigo da coruja, aqui,
as conversas, cinza do dia,
das marcas de águas subterrâneas.

*

( – – cinza do dia,
das
marcas de águas subterrâneas –

Carregados
para o campo
com
a marca
inconfundível:

Ervas.
Ervas,
escrita dispersa.)



Paul Celan, «Stretto», Sete rosas mais tarde, trad. João Barrento, Cotovia, Lisboa, 1993, pp. 83-95