quinta-feira, maio 25, 2006

A linha do horizonte

A rapariga olhou a linha do mar com sensação de incómodo. O penso sangrava nas suas pernas, não mais sabia onde vivera e o que persistia em fazer ali, esquecida dos pássaros do fim da tarde e das preces da mãe. Havia uma família de alemães simpáticos a tomar o pequeno-almoço à sua frente e o ruminar das palavrinhas das crianças perturbou-a. Só desejava que algum acaso a derrubasse naquele cimento para não ter que ficar exposta às visões dos tipos futuros nas barrigas daquelas mulheres grávidas que passavam. Pensou: o teu filho irá insultar-me quando crescer, será mais um promíscuo antepassado de todos os que ainda esperamos.
Nada para lá deste mundo triste sem afectos onde existem crianças.
Gosta porém da fuga para o vazio que agora sente, pois poderá povoar todos os oceanos de sensações, ser amor distribuído desmesuradamente, como uma anunciação que a prepara para qualquer coisa que será o receber exacto do que ela quiser dar. E então acontecerá um encontro poderoso e vasto como um canto universal, mas só quando nem a música nos enganar o coração. Dessa espera vêm soluções aos soluços, desengonçadas, para tapar buracos.
Regressa a casa. Os cortinados são leves e dão forma à brisa. Este é um sítio verdadeiramente calmo. A presença constante da emoção torna-a uma pessoa velha e cansada, daquelas que demoram algum tempo entre o sentar-se e o começar a falar ou pensar. Que primeiro desembaciam os óculos ou respiram profundamente.

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