Que ridículo é esperar o dia marcado para mudar a estação. Basta estar um pouco atento aos sinais. Mesmo no centro de Lisboa, onde se distinguem apenas duas estações. São os corpos que o dizem. Saltamos de repente do inverno, em que ninguém paira, do vapor das bocas e da chuva miudinha a que se foge, desta espécie de solidão húmida, recolhida, que nos é oferecida, para o verão, em que as pessoas correm a despir-se, ávidas de alguma coisa, talvez de se tocarem, de dançarem, de apanharem sol enquanto fumam. Quanto a mim, dá-me vontade essencialmente de me descalçar.
Num destes domingos fui enganado pela ânsia. Pensei mesmo que tinha chegado o afecto novo. Que tarde inesperadamente quente em que a noite demorava a chegar. Era agora que ia irromper a saudável, tão comedida, loucura corporal das gentes. Mas não, o frio voltou e remeteu-nos outra vez ao abrigo da roupa, da nudez protegida. Sou feito para o fim da tarde e para os dias compridos. Enquanto não chegam acordo quase já noite. Depois hesito antes de sair para a rua e quase nem consigo apanhar as últimas margens do sol. Como é diferente o sol do fim de tarde daquela feroz luz da manhã que arranha os olhos cansados. Tem de chegar o verão de vez, a minha sonolência precisa de se conjugar melhor com os dias.
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