segunda-feira, março 06, 2006

Infância suicida

As crianças comiam árvores. Alimentavam-se dessa verticalidade histórica, dessa arquitectura natural do tempo que não passa. E por isso eram crianças. Uma noite, um relâmpago feriu de morte um eucalipto enorme. O eucalipto incendiou-se instantaneamente e ardeu de pé durante horas até as cinzas cederem ao vento e se espalharem lentamente pelo lago dentro. As crianças assistiram a tudo, caladas, na sua fome de árvores e perceberam no relâmpago que o tempo que não passa pode ceder no espaço que não pára de mexer. Ficaram então com medo. Abateram todas as árvores para que o espaço se mexesse muito depressa e o tempo terminasse para sempre. Morreram famintas por terem extinguido o tempo todo que há no espaço de repente.

1 comentário:

Anónimo disse...

Que belo, amiga! Gostei muito... Estarei sempre por aqui. Beijos,
Antonio Naud Júnior
www.tresvezesbahia.blogspot.com