quinta-feira, abril 21, 2011

choro

Ultimamente tenho visto muitas mulheres a chorarem na rua, no metro, na paragem de autocarro, bem cedo pela manhã, ao regressarem a casa. Apetece-me sempre dar-lhes todo o conforto do mundo. Porém, o pudor intromete-se no espontâneo gesto de afecto. Que dizer a uma desconhecida? Que voz será a mais certa para aquela hora? Que dimensão terá esta tragédia privada?
Os anos que passei em Luanda foi o período mais inundado de lágrimas de sempre. Chorei tanto tanto tanto. Lágrimas sempre grossas e convictas. Chorei para lá do razoável. Ou eram problemas amorosos, ou problemas do trabalho, ou salários em preocupado atraso, ou questões burocráticas incompreensíveis, ou a luz que desaparecia meses, ou fugiam-me as perspectivas, invadida por nostalgias antigas, ou a agressividade toda da rua acumulava na falta de conforto - silêncio - da casa agitada onde vivia.
Luanda deixa-me vulnerável a tal ponto que a última vez que lá estive a minha voz sumiu por completo quando perdi o avião de volta para o Brasil.
Aquela cidade provoca o descontrolo persistente.
Por outro lado, acorda-nos forças das quais não nos sabíamos capazes...
Não lido bem com a irracionalidade, não me sei defender dela.
Quando tudo nos ultrapassa e o sistema nervoso não se aguenta àquele ritmo e lógica muito próprios, só nos resta chorar. Menina mimada em terra de duros, tanta gente resistente que já viveu horrores sem nunca se queixar.
Fatalismo à portuguesa, diziam-me.
Lembro-me de ir ler poesia para a Ilha e aquelas palavras doces não pareciam jamais ter existido quando via florescer um mundo de desprezo pelo cidadão. Ou parecer-me patético exigir aos alunos uma subjectividade que eles não poderiam ter nas suas condições de vida.
Não me lembro de ter chorado depois dessa experiência, nem me acontecia muito antes de ir para Luanda.
Uma vez um rapaz viu-me a chorar no meio da rua, na Mutamba. Reparou nessa rara e inusitada entrega à fragilidade. Transtornou-o. Tocou-lhe a exposição. Aquilo, ali, onde todos têm de ser fortes e survivers, tornara-se belo e não triste.
Veio ter comigo e elogiou francamente o meu choro.

Foi o suficiente para conceder ao desespero perante a vida que me ocorria nessa altura o direito universal a sucumbir...

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