segunda-feira, novembro 02, 2009

a cópia original

Já no século XVIII ouvíamos a voz indignada do estrangeirado Cavaleiro de Oliveira contra o marasmo cultural em Portugal: “nada de novo lá entra que não tenha já envelhecido em outros países”. Que cansadas e velhas me soam as vozes desmoralizadas de hoje que se deixaram afectar até à medula pela contagiosa melancolia e sempre se queixam “este pais é uma merda”.
Os modelos políticos, arquitectónicos, educacionais e as próprias opiniões têm sempre um sabor a cópia sem interessar indagar de onde vem o original. Com a globalização e tão fácil reprodução de modelos, retraímo-nos cada vez mais na vontade de “fazer disparates”, ou seja, tentar inventar do nada. Retiramo-nos da jogada porque outros fazem sempre melhor que nós.
Somos receptivos e interessados no mundo dos outros porque achamos condição necessária para que alguma opinião venha a vingar em Portugal. Esta, por sua vez, deve ser aprovada na constatação da sua eficácia anterior e assim se pode encaixá-la, com algum ruído. O processo é simples e eficaz, não se tem muito trabalho em inovar porque o que há a fazer é uma adaptação, duvidosa, à nossa realidade.
Tento encontrar o mérito da circulação de influências que tem origens históricas, sendo uma das nossas peculiaridades a facilidade de recebermos e assimilarmos as dos outros. Gosto sobretudo da maneira como as podemos conjugar, como crianças que montam as peças do lego e brincam aos achados arqueológicos do que já é demasiado vulgar para ser raridade. Gosto do facto de nos movimentarmos (ainda que às vezes apenas virtualmente) e de não nos fecharmos nas nossas certezas, orgulhosos na ignorância e sós na limitação.
Para não haver uma sobreposição de modelos culturais sem cumplicidade com a nossa cultura, devíamos perceber o que vale a pena, cultivar uma sensibilidade para avaliar o que tem qualidade e recusar o que é simples lixo disfarçado de tendência e, portanto, de consumo obrigatório. Devíamos perder essa vulnerabilidade de aceitar tudo que nos dizem que é bom. E de ficarmos muito excitados com a mínima diferença cultural, o que nos permite abeirarmo-nos apenas de clichés sem fundo. Não gosto do argumento de que as coisas no estrangeiro são melhores à partida ou à chegada. Não gosto de quem vai estudar, trabalhar ou de férias lá fora e volta escandalizado a reparar em todos os pormenores de um Portugal atrasado e, com uma arrogância verdadeiramente pimba, despreza uma série de coisas interessantes pondo tudo no mesmo saco. Como se de repente tivesse acordado só por efeito da comparação. É bem certo, sei-o tão bem, que muito está por fazer a nível da seriedade e competência, a nível da formação, serviços, das imensas mentalidades que ainda sofrem de graves preconceitos, mesquinhez, pequenez e recalcamentos. Por isso mesmo é que custa que se desvie o caminho com essas mesmas insuficiências importadas sob outros rótulos. Por isso mesmo é que acho disparatado perder-se energia a divulgar e a impregnar referências culturais de tão baixo nível e desadequadas em vez de se tentar alcançar uma exigência à nossa medida, com alguma autenticidade, coisa que existe precisamente na combinação inteligente entre culturas.

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