domingo, fevereiro 17, 2008

O homem hifenizado

Às segundas e sextas, puxava o lustro à sua aparência; decorava três ou quatro frases para derreter corações, e tinha sempre uma piada na algibeira. Quando falava, qualquer ninharia ganhava importância. Recados sem nexo, apontamentos incoerentes e mnemónicas vazias.
Bem caído nas graças do mundo, às segundas e sextas, o homem-secretário lambe as botas.
Às terças recolhia-se; comia de lata e pensava no mundo cá fora sem sentido. De vez em quando, marcava pontos num mapa-múndi; das capitais dos países traçava linhas para outras capitais em triangulações imaginadas. Pronunciava palavras nessas línguas distantes enquanto mastigava.
Nas noites de terça, o homem-sozinho faz castelos no ar.
Quartas e quintas, vestia e arregaçava a camisa. Saía já compenetrado para trabalhar com mais afinco. Quase não falava para não se desconcentrar. Tirava medidas às coisas para as refazer, “errando sempre menos, errando sempre melhor”. O seu suor era tudo o que guardava quando adormecia já de madrugada.
Palmadinhas nas costas não embalavam o homem-trabalhador independente.
O acontecimento de sábado e o temor de domingo davam-lhe uma comichão que o obrigava a sair. A beber. A falar interessadamente com mulheres estrangeiras. Na sua cabeça, soava música clássica no intervalo de tais encontros. Tornava-se um ser politizado, letrado, mordaz.
No fim-de-semana, a inveja crescia ao redor do homem-boémio.
Tiago Lança

1 comentário:

Sara Figueiredo Costa disse...

Marta,

precisava de falar contigo mas não encontro o teu mail na minha agenda. Podes escrever-me para o mail do Cadeirão?

Obrigada,
Sara