sexta-feira, janeiro 18, 2008

leitura

Acontece um tempo morno, uma luz tórrida com cinzas a cair do resto dos incêndios do último Verão. Tempo de receber testemunhos das literaturas universais. Parar o relógio dos telejornais e deixar que cheguem as linhas de um comboio siberiano, um encontro num cemitério alemão cheio de feridas de antepassados, um dramaturgo irlandês que descreve o seu exílio espiritual, os mistérios dos dizeres portugueses, a história de um homem no meio da multidão, as deambulações por auto-estradas americanas, a poesia de cada frase isolada do contexto, as memórias revistas em absoluta claridade.
Imagino então uma vida em que me podia perder nos delírios literários sem ter que pensar o concreto, sem ter gente a cobrar participação no mundo de funções e lucros, sem ter que justificar passos. Apenas lia, não fazia mais nada, não tinha que trocar palavras indesejadas, apenas absorver as palavras certas e imaginar coisas a partir delas. As viagens por continentes e ângulos exóticos nos cantos dos livros. A vida e opiniões de...., se numa noite de inverno..., o retrato de...., a trilogia de...., o oráculo de…
Entretanto a visão dos livros a monte denuncia as leituras estancadas à quadragésima página. Denuncia a incapacidade para a recepção total, com tantas interferências. Denuncia a resistência ao assalto do sentir dos outros.
Abandonamos a vida dos livros para que não tomem o lugar da nossa.

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