quinta-feira, maio 10, 2007

retóricas

Grande debate na sala de aula transforma-se num comício. A ideia era desconstruir uma frase oca que apelava à necessidade de educação, democratização da leitura e do acesso ao livro como garante da cidadania e autonomia. Os alunos levantam-se um a um a fazer a sua intervenção. Usam palavras caras e bastante formalidade. Insistem no advérbio de modo “paulatinamente”. Os gestos e as pausas são os mesmos que os políticos representam na televisão. As constatações e os diagnósticos são pouco sentidos, os apelos retóricos. É como se estivessem a afirmar uma coisa já sabendo que nunca vai acontecer, mas a repetição de expressões como esperança, educação, civismo, futuro, melhoria de condições e blá blá, faz parte da crença de que ao falar tudo acaba por desaparecer, tal como um sonho mau se dissipa.
Será só o que lhes resta?
Sabemos que as promessas de mudanças são miragens e as balelas de crescimento económico caem nos mesmos bolsos já tão cheios. Tudo vai ficando na mesma. Os estudantes finalistas de literatura continuam a não ter livros em casa. A cantiga ainda é a de há 30 e tal anos: “a paz, o pão, habitação, saúde, educação.” As deslocações são um drama, há quem passe 3, 4 horas enclausurado num transporte para chegar às aulas. Depois tenho de falar a essas pessoas de poesia, debater o preciosismo de uma metáfora? Não consigo.
Ainda é a puta da necessidade básica a sobrepor-se a tudo o resto.

Sem comentários: