quinta-feira, maio 17, 2007

mediações

Leio os blogues de pessoas que admiro, pessoas fantasma, a ilusão de um nome com palavras associadas.
Por todo o lado há mostras de sapiência, ilustração perfeita, desenlaces surpreendentes, títulos a condizer, altivez moral e originalidade, exigência, a dose certa de exposição, o tom jucoso, a referência mais adequada, o trocadilho mais extraordinário, o pormenor impressionável. É um composto redondo, coerente com aquela pessoa, sempre surpreendente, desenhando personalidades de acordo com os tempos que correm, cheias de hipertexto e espírito crítico apurado que não veste camisolas nem é favorável a colectivos.
A usurpação do quotidiano, dos seus mistérios e repetições, a voz interior e o desejo que despontam, um certo contentamento com a realidade que lhes coube - enquanto matéria para pensar entenda-se, não para permanecer estanque.
O traço mais característico desta escrita – e não só, é o elo de quase todas as conversas e base de trabalhos, arte e pensamento – trata-se do vigor referencialista. Ninguém avança com uma ideia ou descrição de uma simples sensação pessoal sem estar automaticamente a citar, a aludir, a referir. Ninguém convoca um problema sem usar como pretexto para início ou totalidade da argumentação um filme ou um livro. A dimensão da imagem observada/lida tem sempre mais força do que o acto presenciado, uma experiência que envolva o sujeito que escreve ou conta.
Sabemos da falência da experiência, que o horror e o capitalismo nos calaram, que somos impossíveis enquanto unidade. Sabemos bem que tudo é espectáculo e cá estamos na condição de espectadores: jovens historiadores que passam mais tempo agarrados à secretária do que a viajar, jovens escritores quase virgens que esmiúçam a sua infância à procura de acontecimentos interessantes que normalmente não passam de umas vindimas ou da colónia de férias onde se começou a fumar charros e a dar beijos às miúdas, grandes nomes da filosofia que não cumprem uma palavra dos paradigmas de conduta que trabalham, professores de literatura que não se comovem com a maravilha de alguém despertar para a escrita por muito pirosa que seja, cineastas que filmam realidades sem nunca terem pressentido o que é viver ali.
Sempre a mediação, que faz ganhar eco, à frente, como se tivesse mais valor esse conforto da produção de conhecimento/imagem do que o risco da experiência directa que parece desautorizada de falar por si.
Homens e mulheres fragmentados, a debater-se por alguma dignidade, descoberta, fonte e recurso para alimentar a imaginação empenada.

1 comentário:

catarina disse...

tomei a liberdade de citar este texto
http://argolas.blogspot.com/2008/10/autonomia-roubada.html
se tiver sido asneira, retiro.
obrigada.