quarta-feira, março 28, 2007

regime circular

Muitos indigentes andam de um lado para o outro à procura de diversão ou de como ocupar as horas que são escaldantes. Encostam-se no meu balcão e ficam a olhar. Fazem-me parar os movimentos em diante para instaurar o regime circular. Pensam que para mim o tempo é assim uma coisa tão maleável como é para eles. Esperam que partilhe qualquer coisa para além do meu ar concentrado e ocupado. E esse desequilíbrio de vidas nunca é compensado, existe uma inveja mútua, um sonho escondido de estar no outro lado. Irrita-nos que alguém que vive connosco durma de manhã enquanto vamos trabalhar porque gostaríamos de fazer o mesmo. Ou porque achamos que essa pessoa está a desperdiçar o seu tempo. Há sempre um desencontro de horários, lugares, ciclos e tédios. Por isso é tão improvável e forte quando as vidas se cruzam no mesmo batimento cardíaco.
(2006)

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