quinta-feira, novembro 23, 2006

Fantasia in dias pequenos

Sentia-se bem com os dias cinzentos. Céu invisível, chuva fechando o rosto de quem corre nas ruas, roupas deformadas, miseráveis guarda-chuvas, braços e pernas acorrentados pelo frio, caos do trânsito, do silêncio, dos pensamentos que não sabem por onde ir. As árvores, nesses dias cinzentos, despiam-se sem poesia nenhuma, apenas lama. Agradavam-lhe as mãos e os pés ensopados a toda a hora e a noite cedo e as tardes sem espaços amplos de luz. Tudo isto o sossegava, o protegia do frenesi inútil de que eram capazes os dias longos, sem sítio onde poder refugiar-se. Vivia para morrer depressa e não para viver mais ou melhor. Há muito tempo que se tinha quebrado por dentro, mais valia o Inverno e a timidez de se saber sem mentiras equívocas ou autencidades sempre efémeras. Estes dias eram como pianos suicidas atirando-se do último andar de prédios altos em ruas movimentadíssimas, comovendo-o até às lágrimas que não tinha.

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