quarta-feira, junho 07, 2006

o mar a chegar

Dormes. Tu que te dás tanto mas sem emoção.
Como é sentir o movimento da paixão? É soprar no teu pescoço e ver o mar chegar, correr dentro de mim. E sem poder dizer-to.
É uma coisa que cresce devagar, entre os pedaços de pele que tocamos, a voz com que me falas excitar-me para além do entusiasmo das próprias palavras.
É afinal possível essa combustão dentro dos repentes da vida.
Quero reter as tuas palavras como se fossem minhas, entrar na pele do teu pensamento. Mas o desgaste, o obstáculo, o rejeitado gesto. A tua resistência que me olha com sobranceria.
Desejar alguém é uma força obscura que invade o corpo e deita-nos vítimas de uma flecha certeira, porém não há qualquer desperdício de sangue.
O tempo que demora a ir falando, a perder a contenção, faz crescer a vontade.
O teu corpo é pousado, tem centro, tem consciência de existir. É o momento do desejo acima das nossas circunstâncias aquilo que mais quero reter. O momento da possibilidade.
Mas o que fazer do tempo a passar e do drama de desaparecermos desta paisagem com brevidade?
Temos de saber a condição do mar e enfrentá-lo com a coragem humilde dos caçadores de baleia da costa leste dos EUA, como todos os heróis do mar. É o mar que chega que nos separa e que nos uniu num certo porto. O mar não pode chegar assim e haver tantas comportas para rebentar tudo. O mar tem de chegar com espaço para as vagas espraiarem à vontade sem matar pessoas.
(Abril 2005)

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