O piano tinha que ir ao dentista todos os Sábados. De cada vez, uma catástrofe de cáries nas cordas. As teclas rangiam dores desafinadas e só a anestesia e tratamento consequente as restabeleciam. Domingos dormentes. Segundas, Terças, Quartas, pujantes. Quintas angustiadas. Sextas desorientadas. Sábados dolorosos. E assim por diante, em sequência igual, sempre.
O dentista, de mãos finas e seguríssimas, apenas um pouco coxo da perna direita, previa um triste percurso ao piano. O piano, esse, habituara-se.
Mas numa Quinta-feira ao dar a primeira nota, o piano sentiu uma ligeira comichão numa das teclas pretas, que se foi estendendo pelo teclado fora até se tornar insuportável. Nisto o piano desata a ganir e logo o Roberto lhe acode.
- O que foi?!! É a angústia? Queres que chame já o dentista?, perguntou o menino esbaforido.
- Não, é outra coisa. Tenho comichão no teclado!!
Era uma pulga pianista frustrada. O menino retirou-a das teclas e pô-la na rua de imediato. O piano levou imenso tempo a recompor-se, estava furioso por lhe terem perturbado a chegada da angústia. No Sábado seguinte, o dentista foi obrigado a dar uma dose extra de anestesia ao piano e o tratamento foi muito mais trabalhoso, tudo porque a rotina afectiva deste fora posta em causa.
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