terça-feira, maio 23, 2006

O encontro sem... o encontro (Michaux e Celan V)



« No caminho da vida, Paul Celan deparou com grandes obstáculos, com muito grandes obstáculos, alguns deles quase insuperáveis, e um último de todo insuperável. Foi nesse penoso período que nos encontrámos... sem nos encontrarmos. Falámos para não termos de falar. Era nele excessivamente grave aquilo que era grave. Não teria permitido que aí se penetrasse. Ao concluir, tinha com frequência um sorriso, um sorriso que já passara por muitos naufrágios.
Fazíamos de conta que os nossos problemas eram relativos ao verbo.
Numa cama de neve, no seu "schneebett" desolado, desesperante, admiravelmente duro, o poeta inigualado repousa e para sempre fará que aí repousem, de uma estranha e particular maneira, aqueles que em todo o repouso mantêm o mal-estar.

A cura, que a escrita lhe trouxe, não era suficiente, não o foi. Saltos Inúteis. Sempre na sala dos gritos, encerrado nos instrumentos de tortura. Cada vez mais um céu de tinta. Cada dia acaba sempre por chegar.

Foi-se. Quanto a escolher, ele ainda podia escolher. O fim não seria tão extenso. À flor da água, o dócil cadáver. »

Henri Michaux, «Sur le chemin de la vie, Paul Celan...», in Études germaniques, nº 3, 1970;
trad. Júlio Henriques, O retiro pelo risco. Antologia da poética de Henri Michaux, Fenda, Lisboa, 1999, pp. 192-193

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