Todas as semanas 50 pares de olhos. Olhares curiosos, olhares entediados, de escárnio, de tesão, de ressaca, de dormência, de cansaço. Esperam que eu os ensine, que os desembarace, que os proteja. Eu não sei nada. Sou patética no meu estrado, de giz na mão, com calafrios na barriga e uma cobarde a suspirar de alívio por eles não terem cheirado o meu medo, nem terem visto a minha ignorância. São eles que me ensinam tudo. E por eles atravesso labirintos na cidade subterrânea que cheira a merda, a ratos e a leite azedo. Vejo as caras madrugadoras, os olhos remelosos, as olheiras e a pele amarela privada do sono, os corpos que se arrastam. E depois a cidade abandona-se fora dos muros aos nomes cuspidos, escarrados da raiva de quem os condenou a chamarem-se assim: Nogent le Perreux, Noisy-le-Sec, Rosny sous Bois, Fontenay sous Bois. E depois as cités: les jardins, les boulereaux. Têm nomes de flores e de bosques que são ditos com voz de nojo e tom de vergonha. Lembro-me do quanto odiei esses prédios altos, iguais uns aos outros, de como temi o arrastar gingado daqueles corpos a defenderem-se da imobilidade de outros, os ouvidos entupidos de ritmos céleres a consolarem-se da mudez de outros, o olhar fixo e frio a defender-se da frieza do mundo. Villiers sur Marne le Plessis Trévise. Chego ao meu destino. Ainda me falta esperar pelo autocarro que atravessa a zona industrial, quase debruçada na cité que ainda dorme. Essa cité que aprendi a amar e respeitar de longe, tão importante de atravessar quanto o desgostoso Val de Marne.
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