Ela arrota.
RAPARIGA: […] Oh, peço perdão. Não comi nada o dia todo. Fui tirar um dente. Os soluços são de não comer, não é? Tu… tu queres um?
Atira-lhe um cigarro, que ele acende lentamente.
Quer dizer, não sou diferente de qualquer outra rapariga. De facto, até sou melhor. Essas raparigas supostamente respeitáveis, por exemplo. Tenho a certeza de que são muito piores do que eu. Bom, tu és assistente de realização – todas essas anotadoras e secretárias, aposto que são… muito soltas.
ALBERT: Hã.
RAPARIGA: Sabes o que eu até ouvi? Ouvi que mulheres respeitáveis, casadas com advogados, saem e engatam homens quando os maridos estão fora em trabalho! Não é fantástico? Quer dizer, é suposto elas serem… É suposto elas serem respeitáveis!
ALBERT, murmurando: Fantástico.
RAPARIGA: Desculpa?
ALBERT: Disse que era fantástico.
RAPARIGA: E é. Tens razão. Bastante fantástico. Mas há uma coisa, ainda assim. Há uma coisa que sempre me fascinou. Até onde é que as raparigas vão com os amigos homens? Já me perguntei muitas vezes.
Pausa.
Hã?
ALBERT: Depende.
RAPARIGA: Pois, suponho que sim.
Pausa.
Queres dizer da rapariga?
ALBERT: O quê?
RAPARIGA: Queres dizer que depende da rapariga?
ALBERT: Sim, dependeria, sim.
RAPARIGA: Muito provavelmente. Tenho de admitir que com essas anotadoras e secretárias todas, não vejo porque é que tu… havias de me abordar… Estiveste na cidade, esta noite, então? Com uma anotadora?
ALBERT: Estás um bocadinho… preocupada com as anotadoras, não?
RAPARIGA: Só porque eu própria fui uma. Sei como elas são. São como seria de esperar.
[…]
RAPARIGA ri: Tu divertes-me. Interessas-me. Tenho um bocadinho de psicóloga, sabes. Tu és muito novo para seres – aquilo que disseste que eras. Há qualquer coisa de infantil na tua cara, quase atrasada. (Ela ri.) Gosto mesmo dessa palavra. Não é nada de pessoal, claro… Estou só a ser… psicológica. Claro, percebe-se que agradas às raparigas. Não sei porque é que te foste meter comigo, a esta hora da noite, de facto foi muito atrevido da tua parte. Eu sou uma mãe respeitável, sabes, com uma criança num colégio interno. Não me poderias chamar… mais nada. A única coisa que eu faço é receber alguns cavalheiros, da minha eleição, uma vez por outra. Qual é a rapariga que não o faz?
Ele torce o cigarro nos dedos. Deixa-o cair no tapete.
(Escandalizada.) O que é que tu julgas que estás a fazer?
Fica a olhar para ele.
Apanha-o! Apanha isso, estou-te a dizer! O tapete é meu!
Ela precipita-se para o cigarro.
O tapete não é meu, eles obrigam-me a pagar –
A mão dele fecha-se sobre a dela enquanto ela tenta alcançar o cigarro.
O que é que estás a fazer? Larga-me. A tratar a minha casa como uma pocilga. (Ela olha para ele enquanto ele se debruça por cima dela.) Larga-me. Estás-me a queimar o tapete!
ALBERT, em voz baixa, com intensidade: Senta-te.
RAPARIGA: Como é que te atreves?
ALBERT: Cala-te. Senta-te.
RAPARIGA, debatendo-se: O que é que estás a fazer?
ALBERT, erraticamente, a tremer, mas em tom calmo de comando: Não grites. Estou-te a avisar.
Ele levanta-a pelo pulso e força-a a sentar-se no banco.
Nada de gritos. Estou-te a avisar.
RAPARIGA: O que é que –
ALBERT, entredentes: Está calada. Disse-te para estares calada. Agora fica calada.
RAPARIGA: O que é que vais fazer?
ALBERT, apoderando-se do relógio da lareira: NÃO BRINQUES COMIGO!
Ela fica paralisada de terror.
Estás a ver isto? Uma pancada com isto… Uma só pancada… (Maldoso.) Quem é que tu pensas que és? Falas demais, sabes. Nunca paras de falar. Só porque és mulher achas que fazes o que te apetece. (Debruçando-se sobre ela.) Cometeste um erro, desta vez. Escolheste o homem errado.
Ele começa a crescer em estatura e excitação, passando o relógio de uma mão para a outra.
[…]
ALBERT: Levanta-te.
RAPARIGA: Não…
ALBERT: Levanta-te! Já!
Ela levanta-se.
ALBERT: Vai para ali, para o pé da parede. Vá! Vai para ali. Faz o que te dizem. Faz o que eu te estou a dizer. Eu é que dou as ordens aqui.
Ela caminha até à parede.
Pára!
RAPARIGA, choramingando: O que é que… queres que eu faça?
ALBERT: Cala-me essa boca, para começar.
Ele franze as sobrancelhas, hesitante.
Tapa a cara!
Ela fá-lo. Ele olha em volta, a pestanejar.
Sim. Isso mesmo. (Vê os sapatos.) Anda, anda, apanha os sapatos. Os sapatos! Apanha-os!
Ela procura os sapatos e apanha-os.
Isso mesmo. (Ele senta-se.) Trá-los para aqui. Anda. Isso mesmo. Calça-mos.
Ele estende o pé.
RAPARIGA: Estás a…
ALBERT: Anda! Calça-mos. Isso mesmo. Isso mesmo. Assim, sim. Assim… sim! Isso. Aperta-os! Isso.
Ele põe-se de pé. Ela agacha-se.
Silêncio.
Ele treme e murmura com o frio. Olha em volta para o quarto.
ALBERT: Está frio.
Harold Pinter, Uma Noite Fora
RAPARIGA: […] Oh, peço perdão. Não comi nada o dia todo. Fui tirar um dente. Os soluços são de não comer, não é? Tu… tu queres um?
Atira-lhe um cigarro, que ele acende lentamente.
Quer dizer, não sou diferente de qualquer outra rapariga. De facto, até sou melhor. Essas raparigas supostamente respeitáveis, por exemplo. Tenho a certeza de que são muito piores do que eu. Bom, tu és assistente de realização – todas essas anotadoras e secretárias, aposto que são… muito soltas.
ALBERT: Hã.
RAPARIGA: Sabes o que eu até ouvi? Ouvi que mulheres respeitáveis, casadas com advogados, saem e engatam homens quando os maridos estão fora em trabalho! Não é fantástico? Quer dizer, é suposto elas serem… É suposto elas serem respeitáveis!
ALBERT, murmurando: Fantástico.
RAPARIGA: Desculpa?
ALBERT: Disse que era fantástico.
RAPARIGA: E é. Tens razão. Bastante fantástico. Mas há uma coisa, ainda assim. Há uma coisa que sempre me fascinou. Até onde é que as raparigas vão com os amigos homens? Já me perguntei muitas vezes.
Pausa.
Hã?
ALBERT: Depende.
RAPARIGA: Pois, suponho que sim.
Pausa.
Queres dizer da rapariga?
ALBERT: O quê?
RAPARIGA: Queres dizer que depende da rapariga?
ALBERT: Sim, dependeria, sim.
RAPARIGA: Muito provavelmente. Tenho de admitir que com essas anotadoras e secretárias todas, não vejo porque é que tu… havias de me abordar… Estiveste na cidade, esta noite, então? Com uma anotadora?
ALBERT: Estás um bocadinho… preocupada com as anotadoras, não?
RAPARIGA: Só porque eu própria fui uma. Sei como elas são. São como seria de esperar.
[…]
RAPARIGA ri: Tu divertes-me. Interessas-me. Tenho um bocadinho de psicóloga, sabes. Tu és muito novo para seres – aquilo que disseste que eras. Há qualquer coisa de infantil na tua cara, quase atrasada. (Ela ri.) Gosto mesmo dessa palavra. Não é nada de pessoal, claro… Estou só a ser… psicológica. Claro, percebe-se que agradas às raparigas. Não sei porque é que te foste meter comigo, a esta hora da noite, de facto foi muito atrevido da tua parte. Eu sou uma mãe respeitável, sabes, com uma criança num colégio interno. Não me poderias chamar… mais nada. A única coisa que eu faço é receber alguns cavalheiros, da minha eleição, uma vez por outra. Qual é a rapariga que não o faz?
Ele torce o cigarro nos dedos. Deixa-o cair no tapete.
(Escandalizada.) O que é que tu julgas que estás a fazer?
Fica a olhar para ele.
Apanha-o! Apanha isso, estou-te a dizer! O tapete é meu!
Ela precipita-se para o cigarro.
O tapete não é meu, eles obrigam-me a pagar –
A mão dele fecha-se sobre a dela enquanto ela tenta alcançar o cigarro.
O que é que estás a fazer? Larga-me. A tratar a minha casa como uma pocilga. (Ela olha para ele enquanto ele se debruça por cima dela.) Larga-me. Estás-me a queimar o tapete!
ALBERT, em voz baixa, com intensidade: Senta-te.
RAPARIGA: Como é que te atreves?
ALBERT: Cala-te. Senta-te.
RAPARIGA, debatendo-se: O que é que estás a fazer?
ALBERT, erraticamente, a tremer, mas em tom calmo de comando: Não grites. Estou-te a avisar.
Ele levanta-a pelo pulso e força-a a sentar-se no banco.
Nada de gritos. Estou-te a avisar.
RAPARIGA: O que é que –
ALBERT, entredentes: Está calada. Disse-te para estares calada. Agora fica calada.
RAPARIGA: O que é que vais fazer?
ALBERT, apoderando-se do relógio da lareira: NÃO BRINQUES COMIGO!
Ela fica paralisada de terror.
Estás a ver isto? Uma pancada com isto… Uma só pancada… (Maldoso.) Quem é que tu pensas que és? Falas demais, sabes. Nunca paras de falar. Só porque és mulher achas que fazes o que te apetece. (Debruçando-se sobre ela.) Cometeste um erro, desta vez. Escolheste o homem errado.
Ele começa a crescer em estatura e excitação, passando o relógio de uma mão para a outra.
[…]
ALBERT: Levanta-te.
RAPARIGA: Não…
ALBERT: Levanta-te! Já!
Ela levanta-se.
ALBERT: Vai para ali, para o pé da parede. Vá! Vai para ali. Faz o que te dizem. Faz o que eu te estou a dizer. Eu é que dou as ordens aqui.
Ela caminha até à parede.
Pára!
RAPARIGA, choramingando: O que é que… queres que eu faça?
ALBERT: Cala-me essa boca, para começar.
Ele franze as sobrancelhas, hesitante.
Tapa a cara!
Ela fá-lo. Ele olha em volta, a pestanejar.
Sim. Isso mesmo. (Vê os sapatos.) Anda, anda, apanha os sapatos. Os sapatos! Apanha-os!
Ela procura os sapatos e apanha-os.
Isso mesmo. (Ele senta-se.) Trá-los para aqui. Anda. Isso mesmo. Calça-mos.
Ele estende o pé.
RAPARIGA: Estás a…
ALBERT: Anda! Calça-mos. Isso mesmo. Isso mesmo. Assim, sim. Assim… sim! Isso. Aperta-os! Isso.
Ele põe-se de pé. Ela agacha-se.
Silêncio.
Ele treme e murmura com o frio. Olha em volta para o quarto.
ALBERT: Está frio.
Harold Pinter, Uma Noite Fora
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